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A mostrar mensagens de 2011

Por um feliz dois mil e doze

Pode não haver grandes razões para pensar que dois mil e doze será um bom ano. Será mau, dizem-nos, será difícil, alertam. Sabemos que será, sentimo-lo diariamente. Pedem a muitos o impossível. Mas, acima de tudo, tentam destruir-nos a esperança porque se não tivermos esperança, não temos expectativas e quando não temos expectativas, a migalha que nos derem parecerá um banquete e se nos derem várias migalhas, os nossos estômagos diminuidos ficarão saciados e, como a memória é curta, tudo esqueceremos. O que eu tenho a dizer em relação a essa ideia é o seguinte: por mais que nos digam que vai ser pior do que foi até agora, por mais que nos tirem a esperança, não podemos perdê-la. Jamais. Porque se perdermos a esperança, se perdermos a chama interior que nos motiva, que nos faz lutar na adversidade e contra ela, perdemos o que nos resta do nosso instinto. Somos seres racionais e a nossa maior força é a nossa inteligência. Como nos deixámos então ficar amorfos? Como deixámos nós de

Son(h)o. Ou a sua ausência.

Longa vai a noite e persistente a insónia. Esta amiga não me visitava há já algum tempo. É insónia de exaustão.  Nas últimas noites o descanso tem-me escapado pelos dedos. Tenho sonhado como não me acontecia há mais de um ano. Quando sonho muito, demasiado, é sinal de que as minhas forças estão no fim. Tenho tido pesadelos, daqueles que me fazem acordar aos gritos. Desses não me lembro, só sei porque me contam que os tive. Não me lembro de gritar. Não me lembro de os ter sonhado.  Tenho tido sonhos bizarros, onde uma série de pessoas me fazem confidências sobre coisas que preferia não saber, onde choram no meu ombro, onde me seguem, onde me perseguem. Pessoas que conheço. Pessoas que não conheço. Pessoas próximas mas que estão, de algum modo, diferentes. Fisicamente. Intelectualmente. Desses vou-me lembrando, uns melhor, outros pior. Noutros, sonho sempre com a mesma pessoa. O contexto muda, mas a pessoa é a mesma dia, após dia, após dia. Como se de algum modo estivesse a compensa

O que faz a (minha) vida

Um dos princípios por que tento guiar-me é o equilíbrio. É com algum esforço que tento conciliar tudo: fazer bem o meu trabalho, ser uma mãe presente, 'regar o pezinho' de uma relação que já vai em quase onze felizes anos, ter tempo para os amigos, ter tempo para mim, fazer as coisas que gosto... enfim, tirar prazer e o melhor que a vida tem para oferecer e aproveitar ao máximo as oportunidades que ela vai dando, mas sem exageros para não afectar esse equilíbrio que consegui a tanto custo. Descobri no último ano de faculdade (ainda no século passado...) que sou mais feliz e mais realizada quando consigo fazer um pouco de tudo. Nesse ano, acabei o curso, fui jornalista, fui actriz, namorei q.b. e, com tantas actividades, descobri que é nessa diversidade que está o meu caminho. No entanto, quando comecei a trabalhar a tempo inteiro e decidi ao mesmo tempo fazer um mestrado, achei que não podia ter tempo para o resto. Impus que não poderia ter tempo para o resto, para ser mais pr

Desabafo

Às vezes gostava que me compreendessem...

O louco

I A perfeição. O objectivo de cada instante O motor de tudo mais Na busca eterna, insaciável, incansável, na busca pela perfeição o louco inicia a sua marcha Devagar, tacteia prudentemente o caminho À medida que avança, O louco sabe até onde pode ir sabendo também que não será mais perfeito do que já é porque é humano. No entanto, prossegue. Os passos do louco são cuidados. Ele saboreia a viagem. Sente o sol,  o seu derradeiro raio a tocar-lhe no rosto não deixando de saber que se der um passo mesmo que imperceptível um pequeno passo em frente, entra nas trevas. Invariavelmente, o passo é dado E o louco sente, impotente, que perdeu uma vez mais Que é, de novo, o eterno derrotado da sua inexequível luta. II Quando o louco passa a barreira sente o seu senso, transformado em ar e sangue, a fugir. Os pulmões ficam plenos de um ar viscoso que deixa de ser ar. As veias esvaziam-se de sangue deixando um nada que passa a estar repleto de medo. A inércia é

Os tempos em que vivemos

Trabalho há onze anos. Nos primeiros três - quase quatro - fiz estágios, passei recibos verdes, dei explicações para poder equilibrar um salário baixo e pagar as contas, estive um mês e meio sem emprego, enviei uns noventa curriculos nessa altura, tive que aceitar outro estágio, apesar de ter mais de dois anos de experiência... no fundo, fui precária. É claro que tudo teria sido mais fácil se me tivesse mantido em casa dos meus pais, mas não me fazia sentido aos vinte e três anos não ser independente. Fiz o que estava ao meu alcance para lutar por essa independência, passei mesmo por algumas dificuldades, mas consegui. Quando me casei, as coisas tornaram-se um pouco mais fáceis, mas havia sempre um sentimento de insegurança que advinha do facto de estar sempre na corda bamba, e esse sentimento só passou quando entrei para os quadros de uma empresa. Porquê? As razões de cariz financeiro são as mais óbvias. Ter estabilidade financeira torna possível coisas tão simples como não ter dúvid

Vem

É negra a venda que me inibe o olhar, Que me desorienta na minha busca incansável, deixando-me entregue apenas ao tacto. Sim, porque o silêncio que me rodeia faz tanto tempo ensurdece-me, o fel dos amargurados como eu devolve à minha boca o acre metálico dos momentos perdidos, tão intenso que me impede de respirar. Fico eu e o tacto. Apenas nós. Surda, cega, muda, talvez, exploro o que me rodeia Em busca de formas outrora familiares que me tragam a sensação perdida de serenidade, a sensação de mar. Tacteio-me, então, sentindo-me frágil. Coberta de andrajos e remendos de vida, com a cabeça envolta no traje dos renegados, dos abnegados, o chão acolhe-me como se fosse o meu eterno horizonte. E sinto-o sob mim, gélido, imundo, tão diferente de ti. Tão diferente de como te recordo no esquivo momento em que os carrascos que carrego aqui dentro me desvendaram e levaram à tua presença, permitindo-me sentir-te pela primeira vez, livre do escudo e das armas com que sempre me defendo. Mas foi ape

Passou por mim e sorriu

Ele passou por mim e sorriu, E a chuva parou de cair. O meu bairro feio tornou-se perfeito, E o monte de entulho, um jardim. O charco inquinado voltou a ser lago E o peixe ao contrário virou. Do esgoto empestado saiu perfumado Um rio de nenúfares em flor. Sou a mariposa, bela e airosa, Que pinta o mundo de cor-de-rosa, Eu sou um delírio do amor. Sei que a chuva é grossa, que entope a fossa, Que o amor é curto e deixa mossa, Mas quero voar, por favor! No metro enlatados, corpos apertados, Suspiram ao ver-me entrar. Sem pressas, que há tempo, dá gosto o momento, E tudo o mais pode esperar. O puto do cão com o seu acordeão, Põe toda a gente a dançar. E baila o ladrão com o polícia pela mão, Esvoaçam confetis no ar. Sou a mariposa, bela e airosa, Que pinta o mundo de cor-de-rosa, Eu sou um delírio do amor. Sei que a chuva é grossa, que entope a fossa, Que o amor é curto e deixa mossa, Mas quero voar, por favor! Há portas abertas e ruas cobertas De enfeites

Pablo numa parede de Alfama

Imagem

Solidão

Caminho devagar, diluindo-me na multidão de cores e cheiros da rua Nem mais, nem menos que outros, eu mesma Igual a eles. Olhos fitos num ponto do horizonte, que desejo alcançar a cada momento Porque só ele importa. Ali. Àquela hora. Nada mais. Um ruído, meio sussurro, meio estrondo, não sei, fez-me desviar o olhar Para uma porta. Ali, no meio, ignorada por todos os outros olhos que apenas fitam o seu ponto Porque só ele importa. Ali. Àquela hora. Nada mais. A porta é invisível , penso. A porta é invisível?, pergunto. Silêncio. Os ouvidos também fitam o ponto. Porque só ele importa. Ali. Àquela hora. Nada mais. Vou entrar, grito, num grito mudo para os ouvidos que fitam o ponto. E entro. E saio do outro lado, vendo a mesma rua, a mesma multidão, as mesmas cores. Cheirando o mesmo cheiro. E procuro o meu ponto. Não o encontro. Porque ele já não me importa. Ali. Àquela hora. Nunca mais. Estou livre para olhar em volta E olho. Com atenção. A multidão desfaz-se. Fica uma só pessoa. Uma co

Alienação

A minha avó tem oitenta e dois anos. Faz oitenta e três em menos de um mês. Como é normal nestas idades, padece de maleitas várias, umas mais impeditivas do que outras; a principal, extremamente dolorosa. Custa-lhe andar. Custa-lhe mexer os braços. Custa-lhe muita coisa. Ainda assim, a minha avó mexe-se. Faz a vida dela, todos os dias. Paga as suas contas. Gere a sua casa. Recusa muitas (demasiadas) vezes ajuda. Não é especialmente instruída mas faz questão de se manter informada: sabe o que se passa no mundo, no seu país, na sua rua, na sua família. No seu coração. A minha avó nasceu em mil novecentos e vinte e oito. Como tal, sabe o que é a guerra. Sabe o que é a ditadura. Sabe o que é não poder ter voz. Sabe o que é ter poucos ou nenhuns direitos. Sabe o que é voltar a tê-los. Sabe que lutar é difícil, duro, demorado, mas que dá frutos. Sabe que se é difícil ganhar direitos, pode ser muito fácil e rápido perdê-los. Sabe, por isso, o que é a cidadania, o dever cívico.  A minha avó

Vácuo

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Naquele café...

O café, que costuma acolher os novelos infindáveis das conversas de velhas senhoras, os silêncios de casais de muitos ou poucos anos, as bocas lambuzadas das crianças a quem as avós não sabem dizer não, tinha hoje outro público. Velhos, novos, assim assim, todos de cabeça erguida para a televisão pendurada na parede, com o fundo verde que é uma presença constante onde quer que se veja uma densidade tão grande de homens por metro quadrado. Mas o que me prendeu a atenção foi o casal adolescente que conversava e ria numa mesa, com o alheamento próprio que o amor e a novidade trazem consigo. Homens, sozinhos, a ver o amor de uma vida a rolar na televisão. Rapaz e rapariga, juntos, a viver o amor do momento. Mesmo que acabe amanhã. 

Cidade Devoluta

Cidade. Casas. Gente. Conversas de vizinhas. Vidas. Cidade. Casas com dono ausente. Mas ainda com gente. Lamentos de vizinhas. Vidas. Cidade. Casas que se desfiguram. Gente envelhecida. Lágrimas de vizinhas. Vidas. Cidade. Casas que se emparedam. Porque já não há gente. Nem vizinhas. Nem vidas. Susana Figueiredo, Janeiro/2011

Lisboa e Tu

Hoje partilhámos Lisboa. Hoje Lisboa partilhou-te comigo. Foi estranho ter-vos juntos. O meu amor eterno. A minha paixão mais recente. Ambos ali. Complementam-se, digo-te. As suas formas, a tua esqualidez, a sua luz, as tuas trevas. O seu esplendor colorido, O teu sóbrio recato. Lisboa. Dela brotam palavras, letras que me fervilham nas mãos. Sons, cheiros que me alvoroçam. A simplicidade que me tira o fôlego, que me trava o sangue. A exaltação. Tu. O teu profundo silêncio. As tuas muralhas, os teus caminhos sinuosos. Tu, que me exiges olhos, boca, pele, os seis sentidos, enfim. Tu, A complexidade que me dá a certeza de querer transpor as tuas paredes, percorrer os teus trajectos com a calma que uma luta requer. Lisboa e Tu. Numa tarde de Verão. Pudesse existir a perfeição de um momento e longe dela não andaria. Porque esta ficará certamente gravada, mesmo que as palavras se percam, no meu livro de memórias. Susana Figueiredo, Julho/1999

Inusitadamente...

Há prazeres inesperados... o melhor momento do meu dia foi sem dúvida os quarenta e cinco minutos que decorreram desde que entrei na auto-estrada seis até chegar a Valverde. Com a Catarina a dormir no banco de trás, o compasso da sua respiração pesada e o som das rodas no asfalto, pude ficar comigo e com os meus pensamentos, a apreciar a estrada e o breu da noite. Já mais perto do meu destino, tive que percorrer duas pequenas estradas ladeadas por sobreiros. A luz dos faróis naquelas folhas dá-lhes um ar quase etéreo, aprofundado pela ausência de tudo o mais à sua volta. De som. De cor. De gente. Um pequeno arrepio percorre-me sempre a espinha quando atravesso esta estrada, numa reminiscência de alguns filmes mais atemorizadores, mas reconforto-me por estar num espaço pequeno e quente, protegida de qualquer improvável acontecimento no exterior... falta-me sempre a coragem para parar o carro, sair e apreciar o momento. Mas sei que vou adorar o dia em que conseguir fazê-lo.

A janela

Da paragem de autocarro à minha casa são cerca de dez minutos a pé pela zona mais antiga de Queijas, que é habitada pela população idosa da vila. Há uma velha senhora que deve ter já muito pouca mobilidade e que vive num dos vários rés-do-chão por que passo no caminho. Essa senhora, de rosto afável apesar da possível doença de que sofre, gasta - pelo menos - os seus fins de tarde sentada ao pé da janela, a observar os que passam. São momentos tão mais breves quanto mais rápidas as passadas do transeunte. Mas, para ela, é a diferença entre a tristeza e a alegria, pois a velha senhora sorri sempre se olharmos para ela. E eu olho, porque uma das boas coisas da vida neste mundo-cão é receber um sorriso bondoso de um desconhecido. E retribuo o sorriso.

Solo

Passo as minhas mãos pela lisa superfície que é a tua alma Dela, sinto apenas o áspero roçagar da fina camada de areia que a cobre Da areia que esconde qualquer porosidade, qualquer imperfeição Como nada sinto, penso partir Mas um súbito e inusitado cansaço faz jazer o meu corpo sobre ela E escutar Apenas oiço um vago murmúrio, tão distante como as profundezas da terra Presto atenção Parece uma voz que me traz palavras sumidas E tambores E silêncio E novamente a voz, agora mais clara E silêncio. Ainda deitada, tento afastar a areia e percebo que o solo, apesar de endurecido pela seca se desfaz com a força dos meus dedos Lentamente... De gatas, raspo-o vigorosamente e tento escutar Apenas silêncio. Mas sei que não adormeci e que a voz é real Os tambores ainda ecoam em mim e abafam o insuportável som desse silêncio Continuo a escavar, freneticamente, agora com as mãos Sinto as pedras a cortarem-me os dedos e a terra a entranhar-se nas feridas Não me importo porque

Recomeçar...

Embora o meu ano novo comece a 7 de Outubro, quando completo mais um ano de vida e começo outro novinho em folha, não deixo de gostar da mudança de ano no calendário. Há sempre esperança no ar, mesmo nos momentos difíceis, e a sensação de uma agenda cheia de folhas imaculadas por escrever e ainda a cheirar a tinta. E o primeiro dia do ano é sempre um bom dia, calmo, sem pressas... ainda por cima, costumo começá-lo com os melhores dos amigos, a partilhar comida, risos, histórias e tempo. É bom, mesmo muito bom...