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A mostrar mensagens de 2010

A casa

Silêncio. Os sons da casa ainda dormem, petrificados no ar gélido da madrugada. O compasso de respirações adormecidas, longe e perto, tenta embalar-me e levar-me de novo. Porém, mantenho-me desperta, apreciando a serenidade do mundo quando todos dormem quando todos se perdem em si mesmos enquanto eu tento apenas encontrar-me. Aos poucos, o negro do quarto torna-se cinzento e do cinzento começa a surgir a cor. Com a cor, despertam também os sons da manhã e com eles os sons da casa. O roçagar dos lençóis faz-se ouvir uma porta range devagar o soalho estala cedendo sob o peso de pequenos passos hesitantes. A casa acorda. Passos maiores ressoam pelos corredores tal como o som de conversas ainda sussurradas as águas dos banhos os barulhos matutinos da cozinha e os seus cheiros, sempre os seus cheiros. Deixo a minha busca e o meu silêncio e entrego-me a um dia preguiçoso partilhado com rostos que são os de sempre mas nem todos os de todos os dias. As conversas já não são sussurradas os r

Amanhãs Previsíveis

Que fazer quando sou escravo e senhor de mim, Da contiguidade de um mundo que De tão grande, se torna ínfimo e sempre igual. Que fazer dos ponteiros do relógio que teimam Numa concebida mas inerente precisão. Que fazer quando me encontro preso no meu eco, Quando cada dia não difere do de ontem Quando sei porque acho e porque sinto Que o amanhã é igualmente previsível. Saio de mim? Fico comigo? Não há um terceiro caminho? Como posso eu, céptico, pensar que o futuro está traçado Como posso eu, então, negar que o não está, Mas não lutar e deixar-me à deriva? Quero que o mundo cresça e me envolva em si, Mas quero que me deixe à minha sorte. Quero que tomem as minhas rédeas e que logo as soltem Para que seja eu a fazer a cavalgada. Quero que desenterrem a minha alma do seu túmulo E que a devolvam então à vida, Mas que me deixem vivê-la, E desacertar o relógio. Susana Figueiredo, Junho/2003

Vidas paralelas...

Uma das coisas que me faz gostar de andar de transportes públicos é poder observar as mesmas pessoas todos os dias. Gosto de observar os que vão sós, com a sua música, o seu livro ou, pura e simplemente, os seus pensamentos. E gosto de dar nomes imaginários a cada um deles. Neste grupo, gosto em particular de uma senhora que terá cinquenta e muitos anos e que lê invariavelmente escritores gregos, uns mais, outros menos conhecidos. Ainda não lhe dei um nome. Acho engraçado o facto de haver uma rapariga que apanha o autocarro na paragem seguinte à minha, que trabalha um piso acima de mim - logo vamos sempre juntas no elevador - e costuma voltar no mesmo autocarro. Mas nunca cumprimenta, a menos que seja cumprimentada. Há também a Miss Kindle, que sempre que consegue ir sentada tira o seu livro digital da enorme mala e lê livros com animais no título - pode ser coincidência, mas já foram pelo menos três... É, porém, inegável que os que vão acompanhados são os mais interessantes de obser

A velha

A velha que fuma num banco de jardim Dedos tintos de nicotina Melenas amarelas A pele seca e curtida de longos e longos anos A velha que fuma num banco de jardim No meio da avenida Lembrando Lisboa antiga Antes bela, agora sulcada pelo tempo A velha que fuma num banco de jardim Recordando uma vida cheia Ou vazia Que agora é apenas espaço Impregnado de fumo A velha que fuma num banco de jardim O corpo escasso de carne Expirada com o fumo A velha que fuma num banco de jardim Para morrer depressa Mas a morte não chega Ou então, e apenas, para saborear um cigarro. Susana Figueiredo, Jul/2005

A sala

Fecha os olhos. Imagina-te numa sala sem portas, sem janelas. O ar está viciado, quente, a roupa cola-se ao corpo. A boca está sequiosa por uma gota de água doce. Não gostas do que sentes, mas já te habituaste. Pensas no que farias se se abrisse uma janela no nada que te rodeia. Acreditas estar melhor assim. Ser-te-ia insustentável respirar o ar de outros ventos, sentir a chuva a entrar pelos teus poros, a envolver-te nos seus dedos languidos. Tragar a água que o céu te dá. Insustentável. Para quê arriscar que a luz me cegue, se a escuridão me permite não perder a visão? Mas o que vês tu, no escuro? Não vejo, mas poderia ver. Para quê arriscar? Estou na melhor situação possível. Contentas-te com a tua pele pegajosa, conténs a tua sede. O conformista. O conformado. Tudo porque julgas estar melhor assim. Porque poderias voltar a sentir o vento, a chuva, a luz, tudo isso. Mas poderias perdê-las de novo. É isso que temes. Que te voltem a fechar na sala escura e húmida. É melhor ficar

Insone...

Longas serão as horas deste dia que começou antes das duas da manhã. Difícil de suportar é o imenso cansaço que as três horas que dormi não eliminaram. A doer está a cabeça, casa de um cérebro que não quer desligar-se. Não fosse todo este cansaço, poderia estar a criar. Mas não estou, apenas escrevo para dizer que não estive sem escrever...

Adeus Saramago!

Adeus, meu mestre. Adeus às tuas novas histórias, que não poderei voltar a ler. Adeus a ti, que me ensinaste a ler, escrever e pensar. Adeus...

Amélie

Há filmes assim: uma história simples, que não ocuparia mais de uma página a ser escrita, mas com personagens tão complexos, com detalhes tão ricos, com imagens tão espectaculares, filmes que nos completam o tempo de uma forma tão mágica que nos trazem de facto coisas novas de cada vez que os vemos. Assim é Amélie, um dos meus filmes preferidos, um filme que vive de pormenores, de pequenos gestos, que me faz esboçar sorrisos a todo o instante, que me faz crer que, de facto, há pequenas coisas que podem mudar vidas. Aquela visão de Paris, aquela casa, aquele mundo... Sempre que o vejo, faz-me pensar o quanto damos importância a coisas irrelevantes e como ignoramos as coisas realmente importantes... enfim...

Família

Hoje estive com praticamente toda a minha família: com a minha mãe e o Zé de manhã, sempre a correr, com a minha avó até meio da tarde e na festa dos 95 (!) anos do meu avô com o lado paterno da minha família, com quem raramente estou (excepto com o meu pai, claro). A Catarina conheceu finalmente os primos, miúdos e graúdos, e eu estive a pôr conversa em dia com todos. A ver se consigo manter o contacto... É bom estar com a família...

Um longo inverno

Eu gosto do inverno. Gosto de chuva e de frio, sobretudo se puder estar a descansar, a ver e a ouvir o crepitar do fogo numa lareira e a sentir o cheiro da lenha, a deixar-me embalar pelo barulho da chuva lá fora, fazer um grande lanche com scones e bolachas caseiras, daquelas que enchem a casa com o seu cheiro divinal. Mas também gosto da Primavera, cada vez menos presente, em que se sente a vida a surgir e a invadir de cor as memórias cinzentas que nos ficam dos meses anteriores. Sempre choveu na primavera, mas havia também dias de sol no inverno. Depois deste que passou, está a custar-me que o sol dos últimos dias tenha partido e com ele a primavera...

Para começar

Este é um dos meus poemas favoritos. Sei-o de memória apesar de não ser dotada para memorizar. Sei-o de tanto o contemplar, primeiro nas paredes do meu quarto, depois em pequenos quadros no escritório lá de casa. É do Pablo Neruda e parece-me um bom ponto de partida. O Teu Riso Tira-me o pão se quiseres Tira-me o ar Mas não me tires o teu riso Não me tires a rosa, a lança que desfolhas A água que de súbito brota da tua alegria A repentina onda de prata que em ti nasce A minha luta é dura e regresso de olhos cansados às vezes por ver que a terra não muda Mas ao entrar, teu riso sobe ao céu a procurar-me E abre-me todas as portas da vida Meu amor, nos momentos mais escuros solta o teu riso e se de súbito vires que o meu sangue mancha as pedras da rua, ri porque o teu riso será para as minhas mãos como uma espada fresca. À beira do mar, no Outono, Teu riso deve erguer sua cascata de espuma E na Primavera, amor, Quero o teu riso como a flor que esperava A flor azu

Mais vale tarde...

Finalmente criei um blogue. É estranho que alguém para quem a escrita é algo tão essencial tenha resistido tanto tempo a criar um. Porquê? Ocorrem-me várias razões: dificuldade em mostrar o que escrevo, preferir escrever em papel, preguiça (sim, é verdade, também me assalta de vez em quando...), falta de vontade, etc, etc. Mas hoje estou em Évora, sentada ao pé da lareira, sem as distracções que costumo ter em casa e achei que, apesar de parecer um momento tão bom como outro qualquer, tem mais aquele quê que tem faltado... Não sei ainda o que vai ser, se vou conseguir mantê-lo, que tipo de informação vou publicar... logo se vê... o que importa é ter começado.